O simpósio internacional Povos Indígenas: Natureza e Justiça, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), prosseguiu, na manhã desta terça-feira (18), com o debate de questões sobre reconhecimento territorial e preservação ambiental.
Realizado no auditório externo da corte, o evento conta com patrocínio do Banco do Brasil e tem o apoio do Ministério dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
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Ao lado do líder da comunidade Yawanawá, Bira Yawanawá, e do advogado e consultor de direitos indígenas Paulo Celso Pankararu, o ministro Ribeiro Dantas iniciou o primeiro painel do dia afirmando que “precisamos revalorizar o que é o Brasil e respeitar mais a visão de mundo dos povos indígenas”.
O magistrado destacou a importância do evento, por abrir espaço a novos diálogos e contextos que envolvem uma análise crítica não apenas sob a ótica jurídica, mas também humana. “O Tribunal da Cidadania vem se voltando cada vez mais a essas realidades, abraçando a diversidade, a inclusão, a arte, falando outros idiomas que não são apenas os idiomas do direito, mas idiomas que o direito precisa aprender a falar para ser mais direito”, observou.
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Ao abordar o tema “O povo e a cosmologia”, o cacique Bira Yawanawá lembrou que é necessário haver mais respeito e compreensão em relação ao planeta e aos povos que o habitam, para que a humanidade possa conviver em harmonia com o meio ambiente: “Tudo que aprendemos até hoje foi com a natureza. Ela é a nossa escola do saber. Lá estão nossas universidades, nossos laboratórios, nossas pesquisas, nossos conceitos”.
Bira Yawanawá encerrou sua participação questionando: “Será que não é possível a civilização humana viver em paz com a natureza em pé? Se o território ocupado por meu povo há milhares de anos ainda mantém 99% da sua floresta virgem, sem nunca ter faltado comida, paz e amor, então por que a civilização da qual faço parte também não pode viver em paz? Esse seminário representa uma luz no caminho para onde devemos seguir”.
O advogado Paulo Pankararu afirmou que, na perspectiva da cosmovisão indígena, o ser humano faz parte do ecossistema, devendo caminhar ao lado de outros seres, sem tentar superá-los. “Quando cuidamos dos rios, das florestas, da conservação da natureza, pensamos na preservação ambiental para todos os povos. É um aprendizado repassado por nossos antigos, pensando nas gerações atuais e futuras, em todos os povos”, declarou.
Não existe democracia sem que os direitos indígenas sejam protegidos
Presidido pela ministra Regina Helena Costa, o painel seguinte apresentou o tema “A questão indígena: a terra e o meio ambiente”. A coordenadora do Movimento da Juventude Indígena, Txai Suruí, começou o painel destacando que a democracia só será efetivamente alcançada quando a visão dos povos indígenas sobre seus direitos e territórios for trazida para os tribunais brasileiros.
“Utilizando o direito, a gente vem resistindo e transformando para mostrar que a proteção dos nossos direitos significa a justiça climática e a democracia. Não existe democracia sem que os nossos direitos sejam protegidos e resguardados”, disse.
Txai Suruí ressaltou a luta das comunidades indígenas pela defesa da floresta e por seus territórios, acrescentando que a presença de indígenas em importantes instituições públicas contribui para que os direitos dos povos originários sejam, de fato, respeitados.
“A gente está aqui para dizer sobre a inconstitucionalidade do marco temporal, além de dizer sobre a necessidade de não só olhar e falar dos povos indígenas, mas de construir conosco. É a assim que a gente vai alcançar qualidade de vida para todo mundo e um planeta justo para todos nós”, concluiu.
Luta pela vida dos povos originários e daqueles que convivem com eles
O professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, afirmou que os povos indígenas, desde os processos coloniais, defenderam seu território e a convivência com a natureza: “Essa luta territorial não é só uma luta pela vida dos povos; é uma luta pela vida dos povos e pela vida daqueles que convivem com os povos nesse território”.
Ele fez uma reflexão sobre vida e riqueza, em que questionou se vale a pena continuar extraindo da natureza recursos como ouro e minério de ferro, ao custo do sacrifício dos povos indígenas, dos animais e das plantas. Para Carlos Frederico, o Judiciário não pode proteger apenas a propriedade do que se extrai da natureza, mas é preciso atribuir direito à terra e ao território.
“Nós, juristas, precisamos pensar o direito para além das fronteiras do direito. E para pensar além não basta consultar os juristas, é necessário consultar os povos”, declarou.
Uma política indigenista sob o protagonismo dos povos indígenas
Último a discursar no painel, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, comentou que a Constituição de 1988 elevou os povos indígenas à condição plena de direitos, inclusive com a possibilidade de ingressar em juízo e defender seus direitos – entre eles, o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas.
Eloy Terena sustentou que o foco, agora, deve ser implementar uma política indigenista sob o protagonismo dos povos indígenas, além de garantir territórios para esses povos e protegê-los. O secretário-executivo foi mais um a criticar a tese do marco temporal, que está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Inúmeros magistrados determinaram o despejo de comunidades indígenas, a suspensão de demarcação em curso e a anulação de terras já demarcadas. É uma tese que tem um efeito para frente, impendido demarcações, e para traz, permitindo rever demarcações”, acusou.
Para ele, é preciso rever essa tese, pois “a relação que os povos indígenas têm com seu território não tem nada a ver com o tempo, não tem nada a ver com marco temporal nem com os elementos do direito. É preciso a gente entender a relação que cada povo tem com seu território e, para isso, só o direito não dá conta”.