Concursos, medicamentos e meio ambiente na pauta dos colegiados de direito público

Previdência de servidores, concursos públicos, informação ambiental, fornecimento de medicamento pelo Estado e exame toxicológico para motoristas são alguns dos assuntos abordados nos julgamentos de maior repercussão em 2022, nas turmas e na seção especializadas em direito público do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em fevereiro, a Segunda Turma estabeleceu que, até a edição da Emenda Constitucional 103/2019, é permitida aos servidores públicos a conversão do tempo de serviço especial em comum, objetivando a contagem recíproca do tempo de serviço. A decisão foi tomada no REsp 1.592.380, em juízo de retratação, após o julgamento do Recurso Extraordinário 1.014.286 (Tema 942) pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Inicialmente, em decisão monocrática, o relator, ministro Francisco Falcão, deu provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para negar o pedido de uma segurada que pleiteava a conversão de seu tempo de serviço especial em comum.

Ao reanalisar o caso após o julgamento do STF, como determina o artigo 1.040 do Código de Processo Civil, Francisco Falcão observou que, de fato, a jurisprudência firmada pelo STJ no EREsp 524.267 – julgado pela Terceira Seção – foi no sentido de que, objetivando a contagem recíproca, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão da expressa vedação legal (artigos 4º, I, da Lei 6.226/1975 e 96, I, da Lei 8.213/1991).

Direito à informação em matéria ambiental

No mês de maio, a Primeira Seção julgou o Incidente de Assunção de Competência (##IAC##) 13 e definiu quatro teses relativas ao acesso à informação no direito ambiental, à possibilidade de registro das informações em cartório e à atuação do Ministério Público em tais questões.

Segundo o relator do ##IAC##, ministro Og Fernandes, as teses consagram o direito à informação ambiental e a obrigação do Estado com a transparência. Para ele, a administração pública tem o dever não só de viabilizar o acesso à informação ambiental sob sua guarda, como também de produzi-la.

O ministro destacou que o debate não envolvia discussão sobre a averbação de Área de Proteção Ambiental (APA) à luz do Código Florestal, em oposição ao Cadastro Ambiental Rural, mas sobre a incidência, na hipótese, da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Acesso à Informação Ambiental.

Após a decisão do STJ, o Ministério Público Federal editou, em novembro, uma orientação aos procuradores para que requeiram, quando for pertinente, a averbação de informações ambientais diretamente ao oficial de registro imobiliário. A orientação ratificou os fundamentos da decisão do STJ, estimulando ações dos membros do MP na divulgação ampla de informações ambientais.

Mandado de segurança coletivo por sindicato e desclassificação em concurso público

No julgamento do RMS 66.687, em agosto, a Segunda Turma decidiu que os sindicatos e as associações de servidores não possuem legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de direitos de candidatos aprovados em concurso público.

No caso dos autos, a Associação e o Sindicato dos Servidores do Ministério Público da Paraíba ajuizaram mandado de segurança coletivo para estender o prazo de validade de um concurso, depois que uma liminar suspendeu, por 180 dias, as nomeações dos candidatos aprovados.

O relator do recurso no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, observou que o sindicato e a associação são constituídos para a defesa dos interesses dos servidores do MP paraibano, de forma que, como os candidatos aprovados ainda não integravam o quadro funcional do órgão, não estavam sujeitos à proteção das entidades.

“A despeito do direito à nomeação dos aprovados dentro das vagas, o candidato em si não é ainda servidor nem, portanto, pode ter algum direito protegido pela associação de servidores ou pelo sindicato de servidores, e assim não são os candidatos uma ‘categoria’, na acepção técnica do termo, daí que ambos os impetrantes carecem de legitimidade”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso em mandado de segurança.

Em outra decisão envolvendo concursos (RMS 51.675), a Primeira Turma entendeu que o fato de o candidato responder a inquérito policial, por si só, não o desqualifica para o ingresso em cargo público.

A decisão teve como base a tese firmada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 560.900, na qual ficou definido que, “sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”.

Relator do recurso no STJ, o ministro Gurgel de Faria destacou que o STF, ao decidir de forma vinculativa no RE 560.900, ressalvou que a lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, mas vedou a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade – o que não ocorreu na situação analisada.

CNH para motorista de transporte escolar exige exame toxicológico

No julgamento REsp 1.834.896 – Incidente de Assunção de Competência (##IAC##) 9 –, realizado em julho, a Primeira Seção estabeleceu que “a apresentação de resultado negativo em exame toxicológico de larga janela de detecção é obrigatória para a habilitação e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do motorista autônomo de transporte coletivo escolar, nos termos do artigo 148-A da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB)”.

A relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que a exigência legal da realização do exame foi trazida pela Lei 13.103/2015, a qual, “embora mirasse, mais detidamente, disciplinar as condições laborais de motoristas profissionais rodoviários de passageiros e de carga, teve por intuito diminuir a violência no trânsito, por intermédio, também, da melhoria das condições de trabalho dos condutores de veículos pesados e de maior porte, categoria na qual se incluem os motoristas de transporte coletivo escolar”.

Assim, afirmou a ministra, ao inserir o artigo 148-A no CTB, a lei não condicionou – tampouco ressalvou – sua aplicação unicamente à classe profissional de condutores rodoviários.

Concessionárias podem cobrar de outras pelo uso da faixa de domínio

Fazendo uma distinção em relação ao Tema 261 do Supremo Tribunal Federal (STF), a Primeira Turma reafirmou, em fevereiro, no julgamento do REsp 1.677.414, que as concessionárias de serviço público podem cobrar pela utilização da faixa de domínio de rodovia, mesmo que de outras concessionárias, como estabelecido no artigo 11 da Lei 8.987/1995.

Por unanimidade, os ministros mantiveram o provimento do recurso especial em que reconheceram a possibilidade dessa cobrança, desde que o edital e o contrato tragam a previsão de outras fontes de receita, além da tarifa, para a concessionária administradora da rodovia. A faixa de domínio é a área formada por pistas, canteiros, acostamentos e pela faixa lateral de segurança ao longo das rodovias.

De acordo com a relatora, Regina Helena Costa, o STF definiu, no Tema 261, que os entes da Federação não podem cobrar taxa pelo uso de espaços públicos por concessionárias de serviço público. Porém, segundo a magistrada, o precedente não tratou da hipótese em que a cobrança é feita pela concessionária que administra a rodovia.

Efeito erga omnes de sentença para fornecimento de remédio

Em agosto, ao negar provimento a agravo interno do Estado de Santa Catarina, a Primeira Turma reafirmou, no REsp 1.377.135, que é possível a atribuição de efeitos amplos (erga omnes) à sentença proferida em ação civil pública na qual se pede medicamento para um paciente específico.

No caso dos autos, o Ministério Público postulou que o poder público fornecesse o medicamento Spiriva a uma mulher com enfisema e a outros pacientes com idêntico problema de saúde.

O ministro Sérgio Kukina observou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, havendo pedido expresso, é possível a prolação de decisão com eficácia erga omnes na ação civil pública em que se postula medicamento para um paciente específico.

Entretanto, o relator apontou que, para obter o remédio, cada paciente interessado deve, posteriormente, comprovar o seu enquadramento clínico na hipótese decidida na sentença.

Primeira Turma reafirma tese sobre prescrição em obrigação de pagar

A Primeira Turma reafirmou em março, no REsp 1.804.754, a jurisprudência segundo a qual o ajuizamento da execução da obrigação de fazer não interrompe o prazo para a propositura da execução que visa o cumprimento da obrigação de pagar.

A decisão teve origem em ação de cumprimento de sentença ajuizada por uma pensionista, em agosto de 2018, contra a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), para receber valores provenientes de decisão judicial coletiva que reconheceu a seu falecido esposo o direito à Gratificação de Atividade de Controle e Combate de Endemias (Gacen), no mesmo valor fixo pago aos servidores em atividade.

O relator, Sérgio Kukina, destacou que a decisão de segunda instância estava em dissonância com a jurisprudência da Corte Especial do STJ, que, no julgamento do ##REsp## 1.340.444, fixou o entendimento de que o prazo prescricional para a pretensão executória é único, de modo que o ajuizamento da execução da obrigação de fazer não interrompe o prazo para a execução da obrigação de pagar.

Baixa de microempresa não impede execução contra sócio

A Segunda Turma reafirmou no REsp 1.876.549, julgado em junho, o entendimento de que, no caso de micro e pequenas empresas que tenham o cadastro baixado na Receita Federal – ainda que sem a emissão de certificado de regularidade fiscal –, é possível a responsabilização dos sócios pelo não pagamento de tributos da pessoa jurídica, nos termos do artigo 134, inciso VII, do CTN.

No caso, o colegiado reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que, em execução de dívida ativa, confirmou a sentença de extinção do processo após verificar que a microempresa já tinha situação cadastral baixada na Receita antes do ajuizamento da ação.

O ministro Mauro Campbell Marques destacou que o caso dos autos não pode ser enquadrado na hipótese de dissolução irregular de empresa – situação em que seria, de fato, aplicável o artigo 135 do CTN –, tendo em vista que a legislação incidente sobre as micro e pequenas empresas prevê a possibilidade de dissolução regular sem a apresentação da certidão de regularidade fiscal.

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