{"id":9770,"date":"2023-05-11T12:56:07","date_gmt":"2023-05-11T15:56:07","guid":{"rendered":"https:\/\/cordeiro.adv.br\/2023\/05\/11\/stj-ve-falha-grave-em-reconhecimento-fotografico-e-manda-soltar-porteiro-acusado-em-62-processos\/"},"modified":"2023-05-11T12:56:07","modified_gmt":"2023-05-11T15:56:07","slug":"stj-ve-falha-grave-em-reconhecimento-fotografico-e-manda-soltar-porteiro-acusado-em-62-processos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/cordeiro.adv.br\/2023\/05\/11\/stj-ve-falha-grave-em-reconhecimento-fotografico-e-manda-soltar-porteiro-acusado-em-62-processos\/","title":{"rendered":"STJ v\u00ea falha grave em reconhecimento fotogr\u00e1fico e manda soltar porteiro acusado em 62 processos"},"content":{"rendered":"

No primeiro comparecimento \u00e0 delegacia, a v\u00edtima descreve o suspeito de roubo como “jovem, pardo, com cavanhaque e magro”. Cerca de 15 dias depois, ao participar do reconhecimento fotogr\u00e1fico de um suspeito, a v\u00edtima afirma que o criminoso seria “negro, magro, aparentando 1,75 m”. Apesar de inconsist\u00eancias nas declara\u00e7\u00f5es, o processo tem seguimento, e a Justi\u00e7a do Rio de Janeiro condena o porteiro Paulo Alberto da Silva Costa \u2013 homem preto, da periferia \u2013 com base apenas no reconhecimento fotogr\u00e1fico. A situa\u00e7\u00e3o do porteiro, de acordo com a defesa, \u00e9 a mesma em outros 61 processos criminais: investigado ou condenado com amparo apenas em uma foto apontada pelas v\u00edtimas.<\/p>\n

Express\u00f5es como “erro judici\u00e1rio grav\u00edssimo” e “ilegalidade gritante” foram ditas pelos ministros da Terceira Se\u00e7\u00e3o do Superior Tribunal de Justi\u00e7a (STJ) nesta quarta-feira (10), ao analisar a situa\u00e7\u00e3o do porteiro e absolv\u00ea-lo da acusa\u00e7\u00e3o de roubo em um dos processos. O colegiado determinou que ele seja solto imediatamente, ainda que haja decreto de pris\u00e3o preventiva ou condena\u00e7\u00e3o j\u00e1 transitada em julgado nas demais a\u00e7\u00f5es penais.\u200b\u200b\u200b\u200b\u200b\u200b\u200b\u200b\u200b<\/p>\n

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O julgamento na Terceira Se\u00e7\u00e3o foi marcado por express\u00f5es como \u201cerro judici\u00e1rio grav\u00edssimo\u201d e \u201cilegalidade gritante\u201d. | Foto: Rafael Luz\/STJ\u200b<\/span>Em todos esses processos \u2013 estejam em tramita\u00e7\u00e3o ou na fase de execu\u00e7\u00e3o da senten\u00e7a condenat\u00f3ria \u2013, a se\u00e7\u00e3o determinou que o ju\u00edzo ou o tribunal avalie se a situa\u00e7\u00e3o tratada nos autos \u00e9 a mesma examinada pelo STJ no caso que levou \u00e0 absolvi\u00e7\u00e3o. O colegiado tamb\u00e9m ordenou que a decis\u00e3o seja comunicada \u00e0 Corregedoria da Pol\u00edcia Civil do Rio de Janeiro.\u00a0 <\/p>\n

O julgamento teve a participa\u00e7\u00e3o do Instituto de Defesa do Direito de Defesa como amicus curiae<\/em>. <\/p>\n

Fotos do porteiro foram colocadas no\u00a0mural de suspeitos da delegacia<\/h2>\n

De acordo com os autos, o porteiro n\u00e3o tinha antecedentes criminais at\u00e9 que fotos suas, retiradas de redes sociais, foram inclu\u00eddas no mural de suspeitos da delegacia de Belford Roxo (RJ). A partir da\u00ed, com base nessas imagens, as v\u00edtimas passaram a apont\u00e1-lo como autor de crimes de roubo \u2013 sem que houvesse, na fase policial ou em ju\u00edzo, a realiza\u00e7\u00e3o de dilig\u00eancias ou a juntada de outras provas que confirmassem a suspeita. Por conta das acusa\u00e7\u00f5es, Paulo est\u00e1 preso desde 2020. \u00a0<\/p>\n

No caso analisado pelo STJ, o porteiro foi condenado \u00e0 pena de oito anos de reclus\u00e3o, em regime ##inicial## fechado. <\/p>\n

Segundo a relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz, \u00e9 incontroverso nos autos que a descri\u00e7\u00e3o inicialmente apresentada pela v\u00edtima para o suspeito do crime \u2013 “jovem, pardo, com cavanhaque e magro” \u2013 j\u00e1 seria gen\u00e9rica, incapaz de particularizar uma pessoa sem outros elementos f\u00edsicos, como a cor dos olhos e a estatura. <\/p>\n

S\u00f3 ap\u00f3s duas semanas do primeiro relato, apontou a ministra, a v\u00edtima compareceu \u00e0 delegacia e, nessa nova identifica\u00e7\u00e3o, mudou substancialmente a descri\u00e7\u00e3o do suspeito, incluindo algumas caracter\u00edsticas e retirando outras.\u00a0 \u00a0\u00a0<\/p>\n

“Ali\u00e1s, merece destaque o fato de que, em audi\u00eancia, a v\u00edtima n\u00e3o afirmou que havia reconhecido o paciente, em sede policial, com absoluta certeza. Ao contr\u00e1rio, alegou que, naquela ocasi\u00e3o, ap\u00f3s visualizar as fotos, apenas sinalizou que possivelmente o r\u00e9u seria o autor do crime”, esclareceu a relatora.<\/p>\n

Laurita Vaz destacou que as poss\u00edveis caracter\u00edsticas f\u00edsicas do acusado foram narradas com maior riqueza de detalhes depois de passado certo tempo do crime. Nessa hip\u00f3tese, apontou, deve ser levado em considera\u00e7\u00e3o o processo natural de esquecimento e a possibilidade de falsas mem\u00f3rias da v\u00edtima \u2013 circunst\u00e2ncias que exigem maior cuidado na valora\u00e7\u00e3o da prova, especialmente quando h\u00e1 contradi\u00e7\u00f5es entre os depoimentos. <\/p>\n

“Em tais casos, se n\u00e3o h\u00e1 outras fontes de provas aut\u00f4nomas e independentes, \u00e9 necess\u00e1rio adotar a regra de julgamento que decorre da m\u00e1xima\u00a0in dubio pro reo<\/em>, tendo em vista que o \u00f4nus de provar a imputa\u00e7\u00e3o, de forma isenta de d\u00favida razo\u00e1vel, recai sobre a acusa\u00e7\u00e3o”, afirmou a ministra ao votar pela absolvi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Laurita Vaz ainda ressaltou que, de acordo com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, em todos os mais de 60 processos contra Paulo, o reconhecimento foi realizado apenas com base em fotografias, sem que tenha havido a identifica\u00e7\u00e3o do acusado de forma presencial, na fase investigativa.<\/p>\n

Para ministros, caso indica racismo e revela problemas no sistema penal<\/h2>\n

Ao acompanhar a relatora, o ministro Sebasti\u00e3o Reis J\u00fanior classificou o caso como um exemplo de “ilegalidade gritante” no sistema de persecu\u00e7\u00e3o penal brasileiro. O ministro lembrou que a an\u00e1lise da conformidade do reconhecimento fotogr\u00e1fico tem sido rotineiramente negligenciada no processo criminal. Ele apontou a necessidade de o Minist\u00e9rio P\u00fablico avaliar, de forma efetiva, se as provas contidas nos autos s\u00e3o suficientes para embasar uma condena\u00e7\u00e3o. <\/p>\n

Para Sebasti\u00e3o Reis J\u00fanior, n\u00e3o h\u00e1 como ignorar a exist\u00eancia de racismo tamb\u00e9m nas investiga\u00e7\u00f5es criminais, mesmo que a discrimina\u00e7\u00e3o n\u00e3o se manifeste de maneira clara. <\/p>\n

“O preto pobre \u00e9 o principal alvo da atua\u00e7\u00e3o policial”, destacou o magistrado ao lembrar que, nas abordagens da pol\u00edcia, cotidianamente, h\u00e1 diferen\u00e7as de tratamento em rela\u00e7\u00e3o a pessoas da periferia e a moradores das regi\u00f5es mais ricas.<\/p>\n

De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, a situa\u00e7\u00e3o do processo \u00e9 “absolutamente vergonhosa” e revela “desprezo pelo ser humano” em uma a\u00e7\u00e3o conduzida a partir de reconhecimento fotogr\u00e1fico feito em total desacordo com as formalidades prevista na lei. <\/p>\n

“A mim, particularmente, me envergonha, por ser integrante desse sistema de Justi\u00e7a \u2013 um sistema de moer gente. \u00c9 uma roda viva de crueldades. Nenhum de n\u00f3s pode avaliar o que representa tr\u00eas anos dentro de uma cela f\u00e9tida, insalubre e apinhada de gente, como \u00e9 a situa\u00e7\u00e3o desse rapaz”, disse. <\/p>\n

Al\u00e9m de definir o caso como “erro judici\u00e1rio grav\u00edssimo”, Schietti enfatizou que a pol\u00edcia tem condi\u00e7\u00f5es de utilizar outros meios investigativos que n\u00e3o apenas o reconhecimento fotogr\u00e1fico.<\/p>\n

Leia tamb\u00e9m: <\/em>Reconhecimento de pessoas: um campo f\u00e9rtil para o erro judicial<\/em><\/a><\/h2>\n

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\nCampoResumo2:SW|A ministra Laurita Vaz afirmou que, sem outras provas independentes, seria preciso seguir a regra de julgamento segundo a qual, havendo d\u00favida, a decis\u00e3o deve favorecer o r\u00e9u.
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